quinta-feira, 22 de março de 2012

D. Cecilia

Hoje, à porta do ginásio, ouvi alguém chamar por uma Cecília. Por curiosidade olhei e vi um rapaz que tinha andado comigo na escola primária e o chamamento da Cecília era mim. Recordei-lhe o meu verdadeiro nome e fiz-lhe ver que ainda me lembrava do nome dele (os efeitos da idade revelam-se mais cedo numas pessoas que noutras). Mas tudo isto para dizer que me lembrei da verdadeira D. Cecília: era eu uma jovem inocente quando iniciei o meu percurso profissional numa clínica de hemodiálise. Entre tantas pessoas que lá trabalhavam, havia a D. Cecília que sofria de azia crónica, pois eram mais os dias que estava mal disposta do que os que lhe conseguíamos ver os dentes. Trabalhava na copa, e quando estava ao serviço as refeições eram uma emoção, porque se estivesse no seu estado normal, ou seja mal disposta, mal-dizia tudo e todos numa ladainha suficientemente alto para podermos ouvir, e criava assim um ambiente de cortar à faca. Houve uma altura, não sei já porque motivo, deixou de me falar e de cada vez que me tinha que servir, mandava o prato com uma má vontade tão grande que me tirava a fome. De vez em quando lá se avizinhava um esgar de felicidade quando falava do seu filhinho querido, sendo a única altura em que se lhe viam os caninos noutra perspectiva. Mas, apesar do seu mau feitio, era considerada pelos superiores uma funcionária exemplar, tanto que era chefe das outras empregadas (tadinhas) e era uma excelente cozinheira. Soube, entretanto, que a D. Cecília já morreu (Deus tenha a sua alma em descanso e paciência para a aturar), mas hoje lembrei-me da minha primeira má colega de trabalho.

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